Franz Kafka (1883-1924) nasceu em Praga, filho de pais judeus de classe média. Sua
infância e adolescência foram marcadas pela figura dominadora do pai,
comerciante próspero, que sempre fez do sucesso material a tábua de valores –
para si e para os outros. Na obra de Kafka, a figura paterna aparece associada
tanto à opressão quanto à aniquilação da vontade humana, especialmente na
célebre Carta ao pai, escrita em
1919.
Kafka admitiu a
influência intelectual de Heinrich von Kleist, Pascal e Kierkegaard e a
importância do ambiente de Praga, cidade medieval gótica, dotada de elementos
eslavos e alemães e marcada pelo traço barroco e sombrio. De 1901 a 1906, Kafka
estudou Direito na Universidade de Praga, onde conheceu seu grande amigo –
posterior biógrafo e depositário de sua obra – Max Brod. Em seguida, passou a
freqüentar os círculos literários e políticos da pequena comunidade
judaico-alemã, na qual circulavam idéias e atitudes críticas e inconformistas,
com as quais Kafka se identificava. Concluído o curso, empregou-se em 1908 numa
companhia de seguros, como inspetor de acidentes de trabalho.
Apesar da
competência profissional – foi promovido por duas vezes – e da consideração que
lhe dispensavam os colegas de trabalho, Kafka sempre sentiu o toque da
insatisfação no emprego, pois ele o impedia de dedicar-se totalmente à
atividade literária. “Tudo o que não é literatura me aborrece, e eu odeio até
mesmo as conversas sobre literatura”, chegou a dizer.
A vida
emocional de Kafka foi conturbada, e ele teve vários noivados e amores
infelizes. Essas circunstâncias acentuaram o sentimento de solidão e desamparo,
que jamais o abandonaria e que se manifestou desde cedo nos fragmentos
publicados em 1909 sob o título Descrição de uma luta(Beschreibung eines Kampfes). O livro
seria publicado na íntegra apenas em 1936. Nessa inquietante e perturbadora
narração, que passou quase despercebida à época em que foi publicada, o mundo
dos sonhos – tema recorrente na obra do autor – adquire uma lógica desconcertante
e obstinada – pertinaz – em meio ao real.
As obras-primas
de Kafka, O processo e O castelo,
respectivamente em 1925 e 1926, só seriam publicadas por Max Brod após sua
morte. Tanto em O processo quanto em O castelo a ambigüidade
onírica do universo kafkiano – o adjetivo virou conceito na literatura
ocidental – e as situações de absurdo existencial chegam a limites jamais
alcançados. Kafka não publicou essas obras por motivos diversos; do fato de
julgar que mais publicações atrapalhariam os trabalhos que ainda pretendia
encaminhar ao fato de elas evocarem as sombras de fases de sua vida que lhe
pareciam pessoalmente constrangedoras.
Afligido pela
tuberculose, Kafka submeteu-se a longos períodos de repouso a partir de 1917.
Em 1922, largou definitivamente o emprego – depois de uma série de pedidos de
férias – e, excetuadas algumas breves temporadas em Praga e Berlim, passou o
resto da vida em sanatórios e balneários. Kafka morreu em 3 de junho de 1924,
em Kierling, perto de Viena.
Contrariando o
desejo expresso pelo autor de que seus inéditos fossem queimados após sua
morte, Max Brod publicou romances, textos em prosa, a correspondência pessoal
e diários de Kafka. No posfácio à primeira edição de O processo, Max Brod
explica que, se não seguiu as ordens de Kafka, queimando sua produção inédita,
é porque havia assegurado ao amigo em conversa anterior que, caso ele um dia
viesse a pedir que o fizesse – mesmo em testamento –, não atenderia ao pedido.
A obra do escritor tcheco veio a influenciar movimentos artísticos inteiros,
como o surrealismo, o existencialismo e o teatro do absurdo.
Leitura:
Biobibliografia cronológica por Marcelo Bakes (tradutor de Carta ao Pai e A
metamorfose)
1883 – Franz Kafka nasce em 3 de julho, filho mais velho do comerciante
Hermann Kafka (1852-1931) e de sua esposa Julie, nascida Löwy (1855-1934), na
cidade de Praga, na Boêmia, que então pertencia ao Império Austro-Húngaro e
hoje é capital da República Tcheca. Kafka teve dois irmãos, falecidos pouco
depois do nascimento, e três irmãs. São eles: Georg, nascido em 1885 e falecido
15 meses após o nascimento; Heinrich, nascido em 1887 e falecido seis meses
após o nascimento; Gabriele, chamada Elli (1889-1941); Valerie, chamada Valli
(1890-1942), e Ottilie, a preferida, chamada Ottla (1892-1943).
1889 – Kafka freqüenta uma escola alemã para meninos em sua cidade natal até
o ano de 1893.
1893 – Inicia o ginásio, concluído no ano de 1901. Escreve algumas obras
infantis que são destruídas logo depois.
1897 – Faz amizade com Rudolf Illowý; toma parte em debates socialistas.
1900 – Passa as férias de verão com seu tio Siegfried, médico rural, em Triesch.
1901 – Faz o exame final do curso secundário e passa suas férias, pela
primeira vez sozinho, em Nordeney e Helgoland. No outono, principia os estudos
na “Universidade Alemã de Praga”; começa estudando Química e em seguida passa
ao Direito. Faz também alguns seminários de História da Arte.
1902 – Viaja a Munique e pretende continuar lá seus estudos de Germanística,
começados no verão do mesmo ano. No semestre de inverno, decide prosseguir os
estudos de Direito em Praga. Primeiro encontro com Max Brod.
1903 – Kafka tem a sua primeira relação sexual, com uma vendedora de loja. A
experiência o marcaria – de insegurança – para a vida inteira. Faz a primeira
de suas várias visitas a sanatório, em Dresden.
1904 – Lê Marco Aurélio e os diários de Hebbel, escritor alemão do século
XIX. Inicia os trabalhos na obraDescrição de uma luta (Beschreibung eines Kampfes).
1905 – Volta a visitar um sanatório, desta vez em Zuckmantel, onde vive uma
relação com uma mulher bem mais velha, o primeiro amor de sua vida.
1906 – Faz trabalho voluntário num escritório de advocacia. Em 18 de junho,
é doutorado, recebendo o título de Doktor
juris. No outono, faz seu
estágio de um ano em dois tribunais. Escreve a obra Preparativos de casamento no campo (Hochzeitsvorbereitung auf dem
Lande).
1907 – Conhece Hedwig Weiler em Triesch e tenta conseguir-lhe um emprego em
Praga. Trabalha na empresa de seguros Assicurazione Generali.
1908 – Primeira publicação. Oito fragmentos em prosa, na revista Hyperion, que posteriormente
receberiam o título de Consideração (Betrachtung). Em julho, passa
a trabalhar no emprego que seria, ao mesmo tempo, martírio e motor de produção:
a Companhia de Seguros de Acidente de Trabalho de Praga.
1910 – Toma parte em vários eventos socialistas. Entra em contato íntimo com
uma trupe de atores judaicos, liderada pelo seu amigo Jizchak Löwy, citado na Carta ao pai. Viaja com Max e
Otto Brod a Paris. Continua suas várias viagens de negócio.
1911 – Outra viagem de férias a Paris. Em março, participa de algumas das
palestras de Karl Kraus. Com o dinheiro do pai, torna-se sócio (inativo) da
fábrica de asbesto de seu cunhado Josef Pollak. Visto que Kafka se demonstrara
incapaz de dirigir um negócio pessoalmente, tentou fazê-lo participando com o
capital (do pai, seja dito). Continua as visitas à trupe de atores de Jizchak
Löwy no Hotel Savoy e apaixona-se pela atriz Mania Tschissik.
1912 – O ano capital na vida de Kafka. Viaja com Max Brod a Weimar e conhece
de perto o ambiente dos grandes clássicos, Goethe e Schiller. Na visita à casa
de Goethe apaixona-se pela filha do zelador. Os oito fragmentos de prosa
publicados em revista no ano de 1908 são editados em livro. Nesse mesmo ano,
Kafka conhece Felice Bauer, com quem trocaria incontáveis cartas. Em setembro,
escreve O veredicto (Das
Urteil), sua primeira obra de importância. Em outubro, é tomado, conforme
pode ser visto nos Diários iniciados quatro anos antes, por
pensamentos de suicídio. De 17 de novembro a 7 de dezembro, escreve A metamorfose (Die Verwandlung), a mais conhecida de suas obras.
1913 – Visita Felice Bauer três vezes em Berlim. É promovido a
vice-secretário da Companhia de Seguros. Trabalha ferozmente na jardinagem na
periferia de Praga para esquecer as atribulações do intelecto. Viaja a várias
cidades, entre elas Trieste, Veneza e Verona. Em setembro e outubro, tem uma
curta relação com uma jovem suíça de dezoito anos no sanatório de Riva. No
final do ano, conhece Grete Bloch, que viera a Praga para tratar do noivado de
Kafka com Felice.
1914 – Continua a visitar Felice e esta vai a Praga. A correspondência com
Grete Bloch torna-se cada vez mais íntima. Em 2 de junho, acontece o noivado
oficial com Felice em Berlim. Kafka mora na casa de suas duas irmãs, primeiro
na de Valli, depois na de Elli.
1915 – Muda-se para um quarto e vive sozinho pela primeira vez na vida. Em
abril, viaja à Hungria com Elli. Kafka recebe o conhecido Prêmio Fontane de
literatura, mas suas obras estão longe de fazer sucesso. A metamorfose é publicada em livro pelo editor Kurt
Wolff. Entre julho e agosto, principia a escrever O processo (Der Prozess), sua
obra-prima.
1916 – Permanece dez dias com Felice em Marienbad. É publicada sua obra O veredicto. Faz leituras
públicas de seu livro Na
colônia penal (In der Strafkolonie) em
Munique.
1917 – Começa seus estudos de hebraico. Noiva pela segunda vez com Felice.
Adoece de tuberculose. Viaja a Zürau e vive uma vida rural na casa da irmã
Ottla, sua preferida. Em dezembro, separa-se em definitivo de Felice Bauer,
depois de vários conflitos interiores, medos, alertas alucinados feitos à moça
e a seus pais em cartas. Kafka, na verdade, procurava afastar a moça de si
fazia anos.
1918 – Volta à Companhia de Seguros depois de vários meses de férias devido à
doença. Já em Praga, acaba sendo vítima da gripe hispânica, que grassava pela
cidade.
1919 – Conhece Julie Wohryzek na pensão Stüdl, em Schelesen, e vive mais uma
de suas várias relações. Em abril, volta a Praga. Noiva com Julie Wohryzek,
apesar de não alcançar a aprovação do pai. É publicada a novela Na colônia penal. Escreve a Carta ao pai e enfim estabelece, de maneira
concreta, os problemas de relação entre ele e seu pai, indiciados em toda a sua
obra ficcional. Depois de curta temporada em Schelesen, onde desta vez conhece
Minze Eisner, volta a Praga em dezembro.
1920 – É promovido a secretário da Companhia de Seguros e seu salário é
aumentado. Troca intensa de cartas com sua tradutora para o tcheco, Milena
Jesenská. Viaja a Viena, onde Milena reside, e passa quatro dias com ela.
Escreve várias narrativas curtas. Termina o noivado com Julie Wohryzek. Escreve
um esboço para O castelo (Das
Schloss). Em dezembro, volta
ao sanatório em Matliary (Alto Tatra, nos montes Cárpatos).
1921 – Continua em Matliary. Faz amizade com Robert Klopstock. No outono,
volta a Praga. Entrega todos os seus diários a Milena.
1922 – Começa a escrever O
castelo, a mais extensa e mais ambiciosa de suas obras. É promovido a
secretário-geral da Companhia de Seguros. Escreve Um artista da fome (Ein
Hungerkünstler). Aposenta-se devido à doença. Passa alguns meses com Ottla,
sua irmã, numa residência de verão em Planá. Kafka avisa a Max Brod que depois
de sua morte ele deve destruir todas as suas obras.
1923 – Volta a estudar hebraico. Faz planos de mudar-se para a Palestina.
Conhece Dora Diamant. Torna a passar dois meses com sua irmã Ottla em
Schelesen. Em final de setembro, muda-se para Berlim, onde vive com Dora
Diamant. Escreve A construção
(Der Bau).
1924 – Em
março, volta a Praga. Escreve sua última narrativa curta, Josephine, a cantora (Josephine,
die Sängerin). O pai de Dora Diamant não concorda com um noivado entre a
filha e o escritor. A partir de abril, vive com Dora e Robert Klopstock no
sanatório Hoffmann, em Kierling, onde Kafka vem a falecer no dia 3 de junho. É
enterrado em Praga. No verão, é publicado o volume Um artista da fome.
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